domingo, 8 de dezembro de 2019

Parabéns Guarulhos

Faz 13 anos que eu trouxe a minha vida inteirinha dentro de  duas malas para Guarulhos. Era o que eu tinha.
Foi violento e tóxico.
Tive que trocar a calmaria pelo caos, pela fumaça pelo transito violento, pela crueza do dia a dia. Até o dia 19 de abril de de 2006, eu apenas colecionava uma velha bicicleta.
Só isso.
Uns parentes diziam,  você ainda vem morar aqui, profetizavam alguns. Eu ria. Estava feliz com o romance à distância.
Então, o destino, muito maroto, vem e muda tudo sem aviso prévio. Em um mês abria caixas num quarto de pensão;  sem privacidade, com estranhos , porém receptivos. E foste um difícil começo, dizia Caetano, para mim que vinha de outra realidade de cidade. Aprendi depressa a chamar-te realidade. Porque no dia a dia em Guarulhos é o avesso do avesso do avesso do avesso. É o poste que que mija no cachorro, é cachorro que corre atrás do rabo. É o inverso do contraditório. É o pavor que chega e não pode te fazer nada, e  é o contrário do medo que é imediato, o pavor não passa, você nada pode controlar.  Mas pior de tudo, se acostuma com isso.
Para mim e para todo mundo que repete que a vida é curta demais,  a realidade é diferente do sonho. O despertador da rotina atropela  o imprevisível do fim de semana.
Me transformei no chato de galocha que reclama do prestador de serviço que não aparece, da informalidade, da insegurança, das sujeira inacabável,  das ruas esburacadas, das pessoas atrasadas, dos políticos corsários,  da politicagem de rede social, da Guarulhos de Facebook só existente no gestor público, nos geo clepitmaniacos - os ricos astutos do poder, usando os pobres vítimas de uma Guarulhos perversa de pactos coletivos que só piora; do serviço ruim e caro, da malandragem, do som alto intolerante, serviços públicos inexistentes aos qual a periferia não tem -  do caos no trânsito, de tudo que vira pizza. Só não vê quem não quer.
Numa utopia, se fosse possível Deus tiver conhecido Guarulhos ao construir o inferno para o satanás e não homens, faria daqui uma inspiração.
Aqui Guarulhos só existe na rede social de seus gestores hipócritas. Passam um dois dias em suas comunidades colendo fotos e fake news de trabalho e eficiência e voltam ao seu condomínio ao lado da câmara municipal. Mentem cedo, mentem a tarde e mentem a noite, ah mentem de madrugada também. Mas a população infelizmente acredita.
Guarulhos é um ato de muito esforço político para ser assim, injusta, burocrática, desigual e sem lei. Guarulhos é uma terra sem Estado, onde o municipe não sente ações do seu município trabalhando por ele.
Mas há o lado bom sim.
Mas você se dá conta que só enxerga o copo meio vazio, que dá para ter um olhar crítico sem deixar de apreciar o lugar. Que o habitual e invariável do cotidiano pode massacrar a relação com qualquer cidade. Que tem gente que reclama de todas os lugares. 
Foi quando resolvi fazer as pazes com o lugar onde vivo.
Morar aqui é uma merda, mas é bom, disse Tom Jobim sobre o Brasil. Vale o mesmo para Guarulhos. Não é tapar a realidade com a viseira, mas encará-la de um jeito mais juvenil. Festejar tudo o que há de bom ao redor.
Tento, tento,  viver a cidade de uma forma sempre nova, ir a lugares que não conheço, em que preciso aprender o caminho para chegar, onde não sei o nome das pessoas , se aceita cartão ou só dinheiro. , troquei pessoas, passei a ter um olhar mais estrangeiro, como se estivesse apenas de passagem. A gente não sabe o dia de amanhã. Só sei que se um dia não estiver mais aqui, quero sentir saudade do que Guarulhos  tem de bom. E tem muita coisa.
Deveria ser assim com tudo.
Fiz menos amizades do que gostaria, mas elas são verdadeiras. 
Feliz ano novo para nós. Eu e você, Guarulhos.

Ps. O texto é uma adaptação, de anos atrás quando escrevia, mas continua vivo.

Os sonhos da Fadinha

Os sonhos da Fadinha O problema real do Brasil não é a "tirania do mérito", mas a ausência de uma base de direitos para que o méri...