sábado, 7 de agosto de 2021

Os sonhos da Fadinha

Os sonhos da Fadinha


O problema real do Brasil não é a "tirania do mérito", mas a ausência de uma base de direitos para que o mérito possa fazer a diferença Por Fernando Schüler Atualizado em 5 ago 2021

“Trabalho desde os 14, durmo coisa de cinco horas, minha avó era doméstica e aprendi inglês sozinho”, diz Tallis Gomes, criador do Easy Taxi. “Sou fruto da meritocracia”, e arremata: “Temos de parar de incentivar o coitadismo”. Lembrei da fala do Tallis escutando as histórias de nossos atletas, lá em Tóquio, por estes dias olímpicos. Rebeca Andrade, nossa campeã na ginástica, não deixou por menos: “Dei duro e tive inteligência para aproveitar oportunidades”. A outra Rebecca, do vôlei de praia, sempre lembrada por não ter o biótipo “perfeito” do esporte, lascou: “Vendi o carro e fiz empréstimo para competir. Não foi do nada que a gente apareceu”. São relatos apaixonantes. Eles dizem, de um jeito simples, que o mérito importa. Mérito entendido como um tipo de atitude diante da vida. A capacidade de tomar iniciativa, assumir riscos, evitar a saída fácil de terceirizar responsabilidades e dar a volta por cima quando as coisas não vão bem. A pergunta é: há algum problema com a meritocracia? O tema se tornou algo explosivo nos últimos anos, e basta ir a uma livraria para ver livros aos montes sobre o “mito” , a “armadilha” , a “perversidade” da meritocracia. Esta ideia “falsa, que encoraja o egoísmo e a indiferença com os desafortunados”, como li em um texto dias atrás. Virtudes associadas ao mérito não façam diferença. Michael Sandel trata desse tema em seu livro A Tirania do Mérito. Em geral  concordo com Sandel, mas não desta vez. Ele diz que a ideia de que nosso sucesso depende de nós é uma “visão emocionante da agência humana” , mas que anda lado a lado com uma conclusão tanto confortável quanto equivocada: a ideia de que “recebemos o que merecemos”. Sandel reclama de que Barack Obama e os líderes americanos recentes compraram essa ideia furada. Obama teria usado mais de 140 vezes o mantra “Se você tentar, você consegue” em seus discursos, enaltecendo a ideia da justiça como oportunidade para as pessoas, tão cara ao American Dream. A nossa fadinha do skate, Rayssa Leal, vai em linha com Obama. “Nunca desista dos seus sonhos” , disse ela em uma entrevista, depois daquela incrível medalha. Ela conta que ganhou um skate aos 6 anos e nunca mais o largou. Que teve uma chance, que deu sorte. Os pais deram força, havia uma pista de skate na cidade. Mas a verdade é que nada disso explica o seu sucesso. Há  milhares de decisões que ela mesma tomou, sem ninguém mandar, todos os dias, para chegar até aquele pódio em Tóquio. E mais: não desistir dos sonhos é o conselho que os pais darão aos filhos e treinadores aos atletas. Até mesmo sociedades de mercado, baseadas na igualdade de direitos, remuneram o valor, não o mérito. Ninguém sai de casa pra comprar pão e pensa “qual foi o padeiro do bairro que mais ralou pra abrir sua padaria?”. O raciocínio é inverso: quem faz o melhor pão? Se o sujeito ralou anos para abrir a padaria, ou se herdou da família, pouco importa. As empresas, os clubes, as escolas, os bombeiros, cada qual pode ter lá seu critério de mérito e premiar quem desejarem. Na grande sociedade os critérios são abertos, difusos, dependem de infinitas decisões tomadas a todo momento pelas pessoas. Por razões que ninguém controla. Ainda bem. O que podemos fazer é discutir qual o modelo de justiça adequado às sociedades abertas. Arriscaria dizer que ele deve atender a dois critérios. Um vindo da grande tradição liberal; outro da grande tradição social-democrata. O primeiro diz que devemos assegurar a todos uma base de direitos iguais. Uma sociedade sem privilégios. Sem castas, regalias e favores do Estado.  A partir daí, respeitem-se as escolhas das pessoas.
Aqui vem o segundo critério: a oferta a cada um de uma base de da meritocracia oferece como exemplo o fato de que os mais ricos podem escolher as melhores escolas. Sandel inicia seu livro registrando que universidades como Yale e Princeton têm mais alunos entre o 1% mais rico do que entre os 60% mais pobres. Basta, porém, alguém propor que o governo ofereça bolsas para que os alunos mais pobres frequentem as escolas dos mais ricos (e nem estou falando dos  muito ricos) para o mundo cair. Já vi isso acontecer diversas vezes. “Não vai funcionar”. "É dinheiro para as escolas privadas”. De que jeito forjar um mundo de oportunidades iguais sem ao menos permitir que crianças pobres  estudem lado a lado e compartilhem do mesmo universo social daquelas com maior renda?  É só um exemplo. Nosso problema está longe de ser a “tirania do mérito”. O problema real é a ausência de uma base de direitos para que o mérito, isto é, as escolhas de cada um, possa fazer a diferença. Nesse sentido, tem razão Obama e sua emocionante visão da agência humana. É a tradição que busca o difícil equilíbrio entre liberdade individual e igualdade de direitos. Tradição que vem de Martin Luther King, quando disse sonhar com um mundo no qual seus filhos não fossem julgados pela cor da pele, mas pelo caráter. O mundo, no fundo, que vejo na fala desses nossos atletas, lá do outro lado do planeta, quando contam suas incríveis histórias. 

Fernando Schüler é cientista político e professor do Insper
Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750

domingo, 1 de agosto de 2021

Estudo inédito calcula o custo social da evasão escolar

 Estudo inédito calcula o custo social da evasão escolar

Estudo inédito, parceria entre Fundação Roberto Marinho e Insper, calcula o custo social que o país tem todo ano pelo fato de seus jovens não concluírem a educação básica: o custo da evasão de um jovem supera o PIB per capita de uma década.  No contexto da pandemia e na pós-pandemia, esse problema pode se agravar. O Brasil perde R$ 214 bilhões por ano pelo fato de os jovens não concluírem a educação básica. Essa é a conclusão do estudo “Consequências da Violação do Direito à Educação Básica”, parceria da Fundação Roberto Marinho com o Insper. O cálculo é inédito e aponta as consequências da evasão escolar e da falta de prioridade para a educação, ao mensurar o custo, em valores monetários, para o país e para cada 1 dos 575 mil jovens que não concluirão a educação básica. O custo da evasão de um jovem supera o PIB per capita de uma década. Mantido o ritmo atual, 17,5% dos jovens que hoje têm 16 anos não completarão a educação básica (pré-escola, fundamental e médio). A pesquisa, conduzida pelo economista Ricardo Paes de Barros, professor titular do Insper, mediu o custo social total de cada jovem sem educação básica em quatro dimensões:

empregabilidade e remuneração dos jovens;

efeitos que a remuneração dos jovem têm para a sociedade, que são chamadas externalidades;

longevidade com qualidade de vida;

violência.

Inicialmente, a pesquisa calculou quantos jovens não concluirão a educação básica, mantido o ritmo atual. Depois, quais seriam as consequências, em valores monetários, por jovem nas quatro dimensões. Por fim, estimou o custo total para o país da evasão escolar de jovens.  Resultados da pesquisa “Consequências da Violação do Direito à Educação” O resultado é que, anualmente, o país perde R$ 371 mil por jovem que não conclui a educação básica. Isso porque os jovens que têm a educação básica completa passam, em média, mais tempo de sua vida produtiva ocupados e em empregos formais, com maior remuneração; têm maior expectativa de vida com qualidade _ estima-se que cada jovem com educação básica viverá quatro anos de vida a mais que um jovem que não terminou a escolaridade_; e tendem a ter um menor envolvimento em atividades violentas, como homicídios _ o cálculo é que a evasão representa uma perda de 26% do valor da vida de um jovem.

Destaques gerais da pesquisa:

A evasão escolar de jovens corresponde a 3% do PIB anual e equivale a todo o gasto estadual e municipal com educação básica por ano.

575 mil jovens que têm hoje 16 anos não concluirão a educação básica, mantido o ritmo atual do aumento da escolaridade.

Por jovem, a perda é de R$ 371 mil por ano.

A perda total anual para o país é de R$ 214 bilhões, o que equivale a 3% do PIB anual.

A evasão escolar de jovens representa todo o gasto estadual e municipal com educação básica por ano.

O PIB per capita brasileiro é de R$ 32 mil, portanto, o custo da evasão de um jovem supera o PIB per capita de uma década.

O custo de oferecer toda a educação básica (pré-escola, fundamental e médio) é da ordem de R$ 90 mil por estudante. Assim, o custo da evasão por jovem supera 4 vezes o que custa garantir a sua educação básica.

A evasão representa uma perda de 26% do valor da vida de um jovem.

Os resultados da pesquisa “Consequências da Violação do Direito à Educação” e o impacto econômico e social da educação na sociedade serão debatidos em um webinário no próximo dia 14 de julho, das 16h às 18h, com participação do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e mediação da jornalista Miriam Leitão. A apresentação será feita pelo economista Ricardo Paes de Barros, responsável técnico da pesquisa, seguida de debate com o secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Wilson Risolia, e o presidente do Insper, Marcos Lisboa. A transmissão será na página do Canal Futura no YouTube. “A pesquisa traz a resposta para uma pergunta objetiva: quanto custa não priorizar a educação? Esse indicador é um poderoso instrumento para o gestor público. A partir dele, o gestor pode reorganizar suas ações de forma a alocar os recursos de forma mais eficiente. Não reconhecer a educação como propulsora do desenvolvimento do país traz um gigantesco prejuízo monetário ao país. No contexto atual de forte restrição econômica, especialmente em virtude da pandemia, priorizar a educação, evitando a evasão escolar, é ainda mais importante”, diz Wilson Risolia, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho. “Cada jovem que abandona a escola representa um custo muito elevado para a sociedade brasileira. Não é uma questão menor um jovem no século XXI não concluir a educação básica. É um problema gravíssimo que não afeta só uma minoria. Afeta 17,5% de todos os jovens de 16 anos desse país.”, diz Ricardo Paes de Barros, professor titular do Insper. Veja abaixo os destaques da pesquisa “Consequências da Violação do Direito à Educação” em cada segmento:

Contexto:

Magnitude do problema da educação brasileira: mantido o ritmo de melhoria da educação brasileira, 17,5% dos jovens que hoje têm 16 anos não concluirão a educação básica quando tiverem 25 anos. Portanto, a expectativa é que, a cada ano, o país tenha aproximadamente 575 mil jovens sem escolaridade básica. Vale ressaltar que 17,5% é uma média nacional, há estados em que a porcentagem de evasão escolar entre os jovens é ainda maior. Empregabilidade e remuneração dos jovens. Os jovens que não concluem a educação básica passarão 10% a menos de sua vida produtiva ocupados, e quando ocupados, passarão quase 20% a menos do seu tempo em empregos formais. Os jovens que não concluíram a educação básica recebem remunerações entre 20% e 25% inferiores ao que receberiam se tivessem concluído a educação básica. Um jovem que não concluiu a educação básica recebe ao longo do seu ciclo de vida R$159 mil (37%) a menos do que receberia caso tivesse concluído a educação básica. Efeitos que a remuneração dos jovens têm para a sociedade. Os benefícios para a economia de uma força de trabalho com maior escolaridade vão além daquilo que o próprio trabalhador se apropria por ter uma remuneração mais elevada. Beneficia a sociedade como um todo.

Cada jovem que não conclui a educação básica representa uma perda adicional de R$ 50 mil para a sociedade. A perda econômica adicional para a sociedade será de R$54 mil por jovem que não concluir a educação básica. Longevidade com qualidade de vida. Os jovens com educação básica têm maior expectativa de vida com qualidade. Um jovem com educação básica vive quatro anos a mais com qualidade do que aqueles sem educação básica. O valor monetário da perda por jovem que não concluir a educação básica será de R$ 114 mil.

Violência

Os jovens com educação básica tendem a ter menor envolvimento em atividades violentas, como homicídios. A cada ponto percentual de redução na evasão, seriam 550 homicídios a menos a cada ano. Uma morte que poderia ser evitada, caso o jovem concluísse a educação básica, custa R$ 25 bilhões por ano e, portanto, tem valor de R$ 44 mil por jovem que não conclui a educação básica. Os impactos da evasão escolar de jovens.A cada ano, o país perde R$ 371 mil por jovem que não conclui a educação básica. Isso significa uma perda total de cerca de R$ 213 bilhões por ano. O custo de oferecer toda a educação básica (pré-escola, fundamental e médio) é da ordem de R$ 90 mil por estudante. Assim, o custo da evasão por jovem supera 4 vezes o que custa garantir a sua educação básica. Representa um custo social que equivale a todo o gasto estadual e municipal com a provisão da educação básica. Um jovem que não concluiu a educação básica recebe ao longo do seu ciclo de vida R$ 159 mil (37%) a menos do que receberia caso tivesse concluído a educação básica. A perda econômica adicional para a sociedade será de R$ 54 mil por jovem que não concluir a educação básica. Um jovem com educação básica vive quatro anos a mais com qualidade do que aqueles sem educação básica. A perda por não ter educação básica é de R$ 114 mil por jovem. A evasão representa uma perda de 26% no valor da vida. A perda a ser evitada pela redução da violência seria de R$44 mil por jovem. A violência entre jovens custa R$25 bilhões por ano ao país. Mensagem para o gestor:  “Não deixem de educar seus jovens. Além de ser um direito garantido na constituição, ele traz um retorno gigantesco para o país”, diz Wilson Risolia, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho.

 

Estamos sacrificando os jovens pela saúde de seus pais e avós

 Estamos sacrificando os jovens pela saúde de seus pais e avós, afirma filósofoFrancês André Comte-Sponville, que participa do Fronteiras do Pensamento, condena elevação da saúde a valor supremo 8.jul.2021 

 

SÃO PAULO Mais de um ano desde o início da pandemia, a saúde tem sido o assunto principal de nossos dias. Um dos grandes filósofos franceses contemporâneos, contudo, tem questionado a supervalorização da saúde em detrimento da liberdade. André Comte- Sponville, autor de, entre outros, “O Espírito do Ateísmo” e “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, lançados pela WMF Martins Fontes, tem dito em entrevistas que a saúde se tornou tirânica e que estamos sacrificando a vida das gerações mais jovens pela saúde de seus pais e avós. “O que quero dizer é que a saúde não é o valor supremo. O amor, a justiça ou a liberdade são valores mais elevados. O lema da república francesa não é saúde, igualdade e fraternidade”, diz o filósofo em conversa por email. “Mais vale um indivíduo doente e cheio de amor que um desprezível cheio de ódio e saúde.” O filósofo, que dedicou sua carreira a questões da ética e ao estudo de nomes como Epicuro e Montaigne, é um dos entrevistados da Maratona Fronteiras neste sábado, que tem ainda Marina Abramovic e Andrew Solomon. O evento online é uma prévia do Fronteiras do Pensamento, que começa em agosto, e nele serão anunciados os conferencistas deste ano. Comte-Sponville havia dito em outubro a uma rádio que preferia ser contaminado pela Covid em uma democracia do que não ser contaminado em uma ditadura. “Eu disse ‘ser contaminado’ e não ‘morrer de Covid’. É verdade que é melhor viver numa ditadura do que morrer numa democracia, mas também se morre em ditaduras.” Ele diz que, na França, há a tendência de tomar a saúde dos mais velhos como prioridade, sacrificando os jovens, mas que os idosos são os mais vulneráveis apenas no que diz respeito à saúde. “Qual o maior dos riscos? Morrer jovem. Esse é um risco que não corro há tempos”, diz o filósofo, que tem 69 anos. Segundo os dados do serviço de saúde pública da França, até o fim de abril deste ano, 93% dos franceses mortos de Covid-19 tinham 65 anos ou mais. No Brasil, porém, de março do ano passado a abril deste ano, 73% dos mortos por Covid tinham 60 anos ou mais. Outros riscos, segundo ele, são o desemprego e o aquecimento global, duas ameaças aos jovens. “Não é normal que comprometam a vida dos mais jovens, seus estudos, suas carreiras profissionais, seu lazer, seus amores e sua liberdade para proteger a saúde de seus pais e avós." “A saúde é menos um valor do que um bem, desejável, é claro, mas que não pode passar por valor moral ou político”, diz, e acrescenta que não se pode contar com a medicina para dar sentido à vida. A reconciliação com a finitude da vida e buscar para ela um sentido, aliás, é um dos temas da obra de Comte-Sponville, para quem não há Deus. Para tal, diz ele, é preciso amar a vida como ela é, mortal e imperfeita, e não ficar sonhando com outra vida. “É aceitar a finitude e não temer a morte”, diz. “Costumo dizer que filosofar é pensar sua vida e viver seu pensamento. A filosofia serve para isso, para pensar melhor, para, então, viver melhor.” Ele costuma dizer e escrever que a filosofia tem o todo por objeto, a razão por meio e a sabedoria por objetivo. Mas não uma sabedoria que seja serenidade ou felicidade. “A sabedoria é o máximo possível de felicidade com o máximo de lucidez, e esses máximos variam em função dos indivíduos e das situações. Não se é sábio da mesma forma em Auschwitz e na Acrópole, ou em tempos de paz e em tempos de guerra, nem aos 20 anos e aos 60.” De seus 20 anos, o filósofo, que foi aluno de Louis Althusser, importante pensador marxista das ideologias, diz que abandonou a ideia de revolução. “Digamos que me tornei um socialdemocrata ou um liberal de esquerda”, diz. “Renunciei à ideia de revolução, mas não às de justiça social, liberdade e progresso.” O papel das esquerdas na atualidade é um dos assuntos que abordará na Maratona Fronteiras. Para ele, ser de esquerda hoje é se preocupar, primeiramente, com os interesses dos mais pobres e dos mais numerosos, e não com seu próprio interesse ou com a grandeza da nação. “É por isso que me reconciliei com o liberalismo econômico. É melhor ser pobre numa sociedade rica que ser pobre numa sociedade pobre”, diz Comte-Sponville. “A única maneira de diminuir a miséria é criar riqueza, e as sociedades liberais o conseguem fazer melhor que as outras.”

AS LIÇOES DE CHURCHILL

 Winston Churchill faleceu no dia 24 de janeiro de 1965. Este artigo é uma homenagem a este que foi a figura política de maior destaque no século 20. Liderança inquestionável nos turbulentos anos 40, Churchill foi o maior responsável individual pela derrota nacional-socialista na Segunda Guerra Mundial. Não é pouca coisa. De sua longa vida, podem-se tirar diversas lições importantes. Superação é uma das primeiras palavras que vêm à mente. A quantidade de adversidades e obstáculos que surgiram em seu caminho apenas fortalece o mérito de suas conquistas. Churchill não era de desistir, e usava cada tropeço para se reerguer com mais determinação ainda. Para ele, sucesso era a habilidade de sair de um fracasso para outro sem a perda do entusiasmo. Como todo ser humano, Churchill tinha suas falhas e contradições. Nem sempre foi correto, e errou em suas previsões em importantes situações. Mas todos estes defeitos servem para torná-lo mais humano, e não eclipsam de forma alguma seus tantos acertos, fundamentais para preservar a liberdade naqueles ameaçadores anos. Uma de suas maiores qualidades como estadista era seu realismo. Enquanto muitos preferiam o falso consolo de esperanças ingênuas, Churchill analisava os fatos com maior frieza. Como escreve Paul Johnson em sua biografia, “Churchill era realista o bastante para perceber que as guerras aconteceriam e, por mais terríveis que fossem, ele preferia vencê-las a perdê-las”. Ele sabia ser pragmático quando necessário, mas sua essência era basicamente a de um liberal, defensor da democracia e também do livre mercado.Sobre a democracia, aliás, Churchill tornou famosa a ideia de que se trata do pior modelo político, exceto todos os outros. Ele era realista o suficiente para não esperar escolhas democráticas fantásticas, e costumava dizer que o melhor argumento contra a democracia era uma conversa de cinco minutos com um eleitor médio. Esta postura cética é importante para limitar os estragos que podem ocorrer com o abuso de poder do governo, mesmo sob regimes democráticos. Nas grandes batalhas do século 20, tanto ideológicas quanto físicas, Churchill esteve do lado certo. Ele abominava os monstros aparentados: o comunismo, o nazismo e o fascismo. Considerava a tirania bolchevique a pior de todas. Chegou a afirmar que “o vício intrínseco do capitalismo é a partilha desigual do sucesso”, enquanto “o vício intrínseco do socialismo é a partilha equitativa do fracasso”. Ainda assim, soube fazer concessões práticas quando a própria sobrevivência dos valores ocidentais estava em jogo. Até mesmo com Stalin ele costurou um pacto para derrotar Hitler, após este trair o ditador soviético. Para Churchill, se Hitler invadisse o inferno até o diabo mereceria ao menos uma palavra favorável. Churchill havia lido “Mein Kampf” e, ao contrário de tantos que consideravam Hitler apenas um aventureiro iludido, ele acreditou em suas promessas. O “pacifismo” era o credo da moda, mas Churchill soube enxergar melhor a realidade. Isso fez com que a Inglaterra estivesse preparada quando o inevitável ataque nazista ocorreu. O papel de liderança exercido por Churchill neste momento de vida ou morte foi crucial para a vitória inglesa. “Nós nunca nos renderemos”, enfatizou em seu famoso discurso. Ele era a “personificação do entusiasmo”, como explica Johnson. Sua retórica não era, entretanto, vazia, e suas ações incansáveis colocavam em prática sua mensagem. Sua coragem na liderança da máquina de guerra inglesa comprovava sua fala. Sua confiança era contagiante, e sua determinação, inspiradora. Segundo o historiador Paul Johnson, seria legítimo dizer que Churchill realmente salvou a Inglaterra (e, portanto, o Ocidente).Além das medalhas militares, Churchill publicou quase 10 milhões de palavras em discursos e livros, pintou mais de 500 telas, construiu pessoalmente boa parte de sua propriedade particular, foi membro da Royal Society, foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, foi exímio caçador e jogador de pólo, criou cavalos vencedores e consumiu espantosa quantidade de champanhe, em companhia de seus charutos. Era muito espirituoso, com incríveis tiradas dignas de uma mente rápida e sagaz.Para Paul Johnson, a vida de Churchill passa ao menos cinco lições importantes: pense sempre grande; nada substitui o trabalho árduo; nunca deixe que erros e desastres o abatam; não desperdice energia com coisas pequenas e mesquinhas; e, por fim, não deixe que o ódio o domine, anulando o espaço para a alegria na vida. Belas lições! Fonte: O Globo, 24/12/2012

Os sonhos da Fadinha

Os sonhos da Fadinha O problema real do Brasil não é a "tirania do mérito", mas a ausência de uma base de direitos para que o méri...